EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL, FAZENDAS PÚBLICAS, REGISTROS PÚBLICOS E AMBIENTAL DA COMARCA DE JATAÍ, GOIÁS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pelo Promotor de Justiça signatário, com atribuição na curadoria do Patrimônio Público, com fulcro nas disposições dos artigos 37, caput, 127, caput, e 129, incisos III e IX, da Constituição Federal; artigo 1º, inciso IV, da Lei n.º 7.347/8; artigo 497, artigo 815 e seguintes, do Código de Processo Civil de 2015; artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93; artigo 46, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n.º 25/98; artigo 117, inciso III, da Constituição do Estado de Goiás; da Lei n.º8.429/1992 e, ainda, nas informações constantes do Inquérito Civil Público n.º 03/2018, anexo, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor a presente,
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
em face de: VINÍCIUS DE CECÍLIO LUZ, brasileiro, solteiro, administrador, portador da Cédula de Identidade nº XXXXXX - SSP/GO, inscrito no CPF sob o nº XXXXXXXX, residente na rua Marechal Rondon, n. XXX, Centro, Jataí – GO, com endereço profissional na Prefeitura de Jataí, situada na rua Itarumã, n. 355, setor Santa Maria, nesta cidade; pelos motivos que a seguir passa a expor.
I – DOS FATOS
O Ministério Público Estadual recebeu representação anônima informando a violação de princípios da Administração Pública pelo prefeito Vinícius de Cecílio Luz, pela implantação, no âmbito de todo o Poder Executivo Municipal de símbolo confeccionado para promover o requerido e seu partido político, violando os princípios da moralidade e da impessoalidade.
A partir da representação foi instaurado o Procedimento Preparatório n. 011/2018, por meio do qual apurou-se que, ao assumir o cargo de Prefeito, o requerido determinou a adoção por toda a Administração Pública Municipal de nova logomarca com desenho desenvolvido especificamente para propiciar sua promoção pessoal, com consideráveis gastos para o Município.
Em síntese, o requerido, sob o pretexto de dar uma roupagem mais “arrojada” aos bens públicos municipais, elaborou logomarca com as mesmas cores e formatação utilizadas em sua campanha e que também são as cores de sua agremiação política. Além disso, inseriu na logomarca, mais especificamente na letra“i”, símbolo muito semelhante a um tucano, animal presente na logomarca do PSDB, partido político ao qual é filiado. A propósito, confira-se: Assim, carros oficiais, fachadas de prédios públicos, uniformes de servidores, documentos, sítio eletrônico da Prefeitura, placas das entradas da cidade; obras públicas; eventos da municipalidade, tudo, passou a ter a logomarca acima apresentada, em clara promoção do requerido e de seu partido.
Tudo isso resultou para os cofres públicos municipais em um gasto de R$ 39.666,93 (trinta e nove mil seiscentos e sessenta e seis reais e noventa e três centavos), de acordo com informações do ofício de fls. 47, acompanhado das respectivas notas fiscais, sem que houvesse nenhum proveito para a coletividade,favorecendo tão somente o requerido e seu grupo político.
Vincula-se, assim, todos os bens e serviços públicos à imagem do administrador e de seu partido. Flagrante a infringência dos princípios constitucionais. que regem a Administração Pública, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade administrativa, razão pela qual a presente ação tem a finalidade de reprimir e cessar a conduta ilícita adotada pelo administrador, de uso da máquina pública com objetivo de promoção pessoal.
Não se nega, aqui, que os documentos, prédios e bens móveis pertencentes ao Município devem ser devidamente identificados de modo padronizado. A padronização é útil e necessária para deixar claro que os bens pertencem ao erário e, assim, evitar seu mal uso. Nesse sentido, a Lei Municipal n. 3.392/2013 determina que os Poderes Executivo e Legislativo de Jataí, em seus impressos oficiais e nos impressos distribuídos à população, custeados com recursos públicos, insiram a logomarca oficial que utilizam, “evitando assim a malversação do dinheiro público, e mostrando ao contribuinte a origem da despesa”.
Na legislação municipal a logomarca tem por finalidade a publicidade institucional, necessária para a identificação dos atos da Administração Pública. Entretanto, isso não autoriza o administrador a adotar símbolo que o promova, pelo contrário, o objetivo da legislação é que a logomarca adotada tenha por finalidade a preservação da impessoalidade das ações do Poder Público. Ou seja, embora a legislação municipal estabeleça como símbolos do Município a bandeira, o brasão e o hino (artigo 2º, §2º, da Lei Orgânica), não veda a utilização de logomarca, desde que respeitados os limites impostos no artigo 37, §1º da Constituição Federal, que não foram observados no presente caso.
A inobservância do princípio da impessoalidade se torna mais evidente quando se faz o seguinte questionamento: seria razoável esperar que um novo governo, de um outro partido, que acaso assumisse a Administração Municipal, utilizasse a logomarca elaborada pelo requerido? Não, pois a marca faz clara alusão ao símbolo do partido do atual prefeito e até mesmo a seu material de campanha eleitoral. A propósito, observe-se a evidente semelhança entre as três logomarcas:
Na verdade, o que se percebe é o que a logomarca adotada pelo requerido mais parece o resultado da mistura do símbolo de sua campanha com o símbolo de seu partido.
Conforme exposto, a publicidade que ultrapassa os limites da impessoalidade afronta os princípios constitucionais da Administração, viola o interesse público e, portanto, deve ser reprimida.
Neste sentido a jurisprudência pátria:
II – DO CABIMENTO DA AÇÃO
O réu viola norma de cunho constitucional e a legislação de improbidade vigente. A promoção pessoal revolta a oposição, transtorna a comunidade e promove pessoalmente o requerido, que utiliza-se de recursos públicos para exaltar pessoalmente sua administração.
Portanto, a ação supramencionada trata de improbidade administrativa, visto que viola o disposto no caput e §1° do artigo 37 da Constituição Republicana: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e ,também , ao seguinte:
§ 1° A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social , dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
III - DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O art. 37, caput da Carta Magna estabelece os princípios basilares pelos quais deve se pautar a administração pública, como sendo os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Por sua vez, o parágrafo 1º do mesmo dispositivo determina que, da publicidade de atos administrativos não podem constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoa l de autoridade ou servidores públicos.
O princípio da impessoalidade, apresentado no caput do artigo 37 da Constituição da República e a proibição de utilização da publicidade de atos administrativos para realização de promoção pessoal devem ser observados com rigor. Ínsitos ao princípio da legalidade, entre outros, estão os princípios da finalidade e da indisponibilidade dos interesses públicos.
Não pode o prefeito, em uma pretensão de autopromoção, levantar como símbolo da administração municipal imagem que lembre ou leve a entender que a Municipalidade lhe pertença. Os interesses que confiamos ao prefeito são públicos e inapropriáveis.
Violou, o réu, o PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE, que, nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal.
A respeito do disposto no parágrafo 1° do art. 37 da Constituição Federal, Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreveu: “Visa esta norma, a impedir que a publicidade governamental sirva de instrumento promocional para autoridades ou servidores públicos. (...) No desiderato de impedir a personalização, ainda que indireta, dessa publicidade, o texto proíbe o uso de nomes, símbolos ou imagens que vinculem a divulgação a governante ou servidor determinado” (Comentários à Constituição de 1.988, vol. 1, pg. 258). (G.N).
Assim, a presente ação é necessária e cabível para fazer cessar a violação. Vale ressaltar que, no presente caso, a violação aos princípios causou prejuízo ao erário, pois foram gastos R$ 39.666,93 (trinta e nove mil seiscentos e sessenta e seis reais e noventa e três centavos) para “personalizar” os bens e serviços públicos municipais conforme o alvedrio do requerido. Tal montante deve ser restituído aos cofres públicos, pois não resultou em nenhum benefício para a população.
IV – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A Constituição da República consagrou o princípio da proteção judiciária (inc. XXXV do art. 5º), que não se limita a assegurar o mero acesso à justiça, mas principalmente um acesso que propicie uma tutela efetiva, adequada e tempestiva de direitos. O Código de Processo Civil, em seu art. 300 e seguintes, prevê o instituto da “tutela antecipada” e, no caso em apreço, verifica-se que tal medida é perfeitamente cabível e necessária.
Caracterizando-se como uma tutela de urgência, a tutela antecipada tem como requisitos a verificação da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Além disso, há um requisito negativo, a saber, o provimento não pode ser irreversível.
Inicialmente, o Ministério Público Estadual requer sejam antecipados os efeitos da tutela por esse douto Juízo, no sentido de condenar o réu à obrigação de abster-se de qualquer novo uso da logomarca apresentada na inicial desta ação, sob pena de multa no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para qualquer e cada ato que caracterize promoção social e pessoal.
Assim, deverá o requerido abster-se de ordenar qualquer despesa para confecção de adesivos, banners, placas, plotagens ou qualquer outra forma de fixação da logomarca, bem como de utilizá-la nos meios de comunicação oficial do Município (sites, documentos), ainda que estes não gerem novas despesas.
A promoção pessoal ensejadora do ato de improbidade administrativa é mais que evidente. A verossimilhança é inequívoca, sendo desnecessária dilação probatória.
Neste sentido, estão fartamente demonstrados os elementos de convicção na inicial, pontuando a promoção pessoal do réu caracterizadora de improbidade administrativa.
Não faz nenhum sentido que a promoção pessoal do requerente pela propagação da logomarca continue a ser patrocinada com dinheiro público, gerando novos gastos para o erário. Também não se justifica que meios de comunicação e documentos públicos continuem a ostentar a marca.
O segundo requisito, exigido concomitantemente à verossimilhança, é o fundado receio de dano. Restou demonstrado que já há um dano pela utilização de bens públicos pela promoção pessoal. Tal dano é agravado pelos gastos efetuados, bem como pela continuidade da promoção pessoal, que deve cessar imediatamente, evitando dano ainda maior.
Quanto à irreversibilidade do provimento, convém ressaltar que, embora entenda que o pedido é razoável, este órgão não está requerendo em caráter liminar a retirada da logomarca de todos os automóveis, prédios, placas e outros bens pertencentes ao Município nos quais a logomarca já foi gravada. Na verdade, tal retirada, efetuada às custas do requerido, seria ideal para fazer cessar imediatamente a indevida promoção pessoal. Entretanto, por entender que a medida tornaria irreversível a decisão concessiva da tutela antecipada, este órgão deixa de requerê-la em caráter antecipado, pleiteando-a apenas a título de tutela definitiva.
Por outro lado, o pleito de interrupção dos gastos com novos materiais contendo a logomarca e de proibição de inserção do símbolo nas novas publicações e documentos atende a todos os requisitos para a concessão da tutela antecipada.
Portanto, ante os argumentos jurídicos, doutrinários e jurisprudenciais, o autor pugna pelo deferimento do pedido de antecipação de tutela "inaudita altera pars", no sentido de impor ao réu a obrigação de abster-se de qualquer novo uso da logomarca apresentada na inicial desta ação pela administração municipal, sob pena de multa no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para qualquer e cada ato que caracterize promoção pessoal.
Assim, deverá o requerido abster-se de ordenar qualquer despesa para confecção de adesivos, banners, placas, plotagens ou qualquer outra forma de fixação da logomarca, bem como de utilizá-la nas novas publicações nos meios de comunicação oficial do Município (sites, documentos), ainda que estes não gerem novas despesas.
VI - DOS PEDIDOS
Distribuída, registrada e autuada a presente Ação Civil Pública, requer LIMINARMENTE, “inaudita altera pars”, a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do capítulo anterior.
a) Seja o réu, Vinícius de Cecílio Luz, regularmente notificado e posteriormente citado no endereço constante na inicial, para que tome conhecimento da presente demanda e conteste, no prazo legal, se o desejar, assegurada para o ato citatório a aplicação do art. 17, § 7º da Lei 8429/92.
b) Citação do Município de Jataí - GO, por meio de Oficial de Justiça, na pessoa da Vice-Prefeita, para, querendo, integrar a lide na qualidade de litisconsorte ativo, na forma do artigo 17, §2º da Lei n.º 8.429/92;
c) Seja a presente ação processada segundo o rito ordinário, combinado com o artigo 17, “caput”, da Lei n° 8.429/92, dispensando-se o Ministério Público do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, tendo em vista o disposto no art. 18 da lei 7347/85;
d) Seja o réu condenado a restituir ao erário todo o valor gasto com a fixação de sua logomarca, no valor de R$ 39.666,39 (trinta e nove mil seiscentos e sessenta e seis reais e noventa e três centavos), a ser devidamente atualizado quando da prolação de sentença;
e) Seja o réu condenado a arcar com as despesas inerentes a retirada da propaganda irregular, devendo comprovar, nos autos, que efetivou a retirada às suas expensas;
f) Sejam julgados procedentes os pedidos da presente ação, a fim de aplicar ao requerido as sanções previstas no inciso II e III, art. 12, da Lei n° 8.429/92, por infringência aos artigos 10, caput, e 11, caput, do mesmo diploma legal, nos seguintes termos: pagamento de multa civil de 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. Saliento que estas sanções deverão obedecer a um critério de proporcionalidade. Deixo de pedir a perda do cargo e/ou suspensão dos direitos políticos uma vez que subentendo que estas sanções são desproporcionais ao ato vergastado;
g) Julgamento Antecipado da Lide nos moldes do artigo 355, I do Código de Processo Civil, uma vez que a questão de mérito é passível de ser resolvida sem a necessidade de audiência de instrução ou, não sendo esse o entendimento do juízo, seja resguardado o direito de produzir provas, dentre elas depoimento pessoal do réu, juntada de documentos e os demais meios de prova admitidos pela legislação.
h) A condenação dos réus ao pagamento de custas processuais. Atribui-se o valor de R$ 39.666,39 (trinta e nove mil seiscentos e sessenta e seis reais e noventa e três centavos).
Instruindo a petição inicial, segue anexa vasta documentação colacionada em Procedimento Preparatório.
Nestes termos, pede deferimento.
Jataí, 25 de abril de 2019.
João Biffe Junior
Promotor de Justiça